Caros irmãos e irmãs!
1. Nosso Grupo de Trabalho realiza, nesta Assembleia Geral, a missão que lhe foi confiada: colaborar na motivação das comemorações do cinquentenário do Concílio Ecumênico Vaticano II, propondo atividades aos vários organismos e colaborando na divulgação e organização de algumas atividades especiais.
Nesta 50ª AG de nossa Conferência, pretendemos quatro coisas: 1) motivar a Igreja no Brasil para a comemoração do 50º aniversário do Concílio; 2) apresentar algumas informações relevantes a respeito dos períodos antepreparatório e preparatório do Concílio, e da primeira Sessão; 3) apresentar propostas para as orientações gerais relativamente às comemorações; 4) abrir a palavra aos Senhores Bispos, para poderem expressar-se a respeito dessas comemorações.
2. No século XX, os Papas Pio XI e Pio XII chegaram a pensar em convocar um Concílio e até determinaram que se fizessem estudos sobre sua viabilidade. Mas foi o Beato João XXIII que, para grande surpresa de todos, no dia 25 de janeiro de 1959, no encerramento da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, na Basílica de São Paulo fora dos Muros, comunicou sua decisão de convocar um Concílio Ecumênico, "tremendo um pouco de emoção mas, ao mesmo tempo, com humilde firmeza de propósito" (Discurso aos Cardeais, 25/01/1959). E o fez sem prévios estudos ou consultas.
O próprio João XXIII descreve a origem dessa decisão de modo piedoso e belo. Detenhamo-nos um pouco a refletir sobre a interpretação que o Papa deu à origem dessa ideia. Ele afirma que foi uma "inspiração divina, cuja espontaneidade nos atingiu como um golpe súbito e imprevisto" (Mensagem ao clero de Veneza, 21/04/1959). E, ainda: "A ideia do Concílio não amadureceu como um fruto de prolongada consideração, mas como uma flor de inesperada primavera" (Discurso aos assistentes da Ação Católica Italiana, 09/08/1959). Noutra ocasião, afirmou: "num momento, iluminou-nos a alma uma grande ideia, percebida naquele instante e aceita com indizível confiança no Divino Mestre" (Discurso a um grupo de venezianos, 08/05/1962). No solene discurso de abertura do Concílio, o célebre Gaudet Mater Ecclesia, encontramos a seguinte descrição: "o primeiro e imprevisto florescer no nosso coração e nos nossos lábios da simples palavra "Concílio Ecumênico" [...] foi algo de inesperado: uma irradiação de luz sobrenatural, uma grande suavidade nos olhos e no coração" (GME, III, 1). 3. O próprio Papa João XXIII também nos fala da finalidade da convocação do Concílio. Em sua primeira Encíclica, Ad Petri Cathedram, de 29 de junho de 1959, ele afirmou serem três os objetivos: o "incremento da Fé Católica", a "saudável renovação dos costumes no povo cristão" e a "melhor adaptação da disciplina da Igreja às necessidades dos nossos tempos" (Encíclica Ad Petri Cathedram, X, 29/06/1959). Em um discurso ao Conselho Geral da Ação Católica, ele acrescenta a finalidade ecumênica do Concílio, que deveria ser uma consequência da renovação eclesial: "o primeiro e principal escopo do Concílio seria apresentar ao mundo a Igreja de Deus em seu vigor perene de vida e de verdade e sua legislação adaptada às circunstâncias presentes; depois disso é que poderemos dizer aos irmãos separados: esta é a vossa casa; esta é a casa dos que levam o sinal de Cristo" (Discurso, 14/02/1960). E, de modo sintético e muito bonito, em uma homilia a um grupo bizantino-eslavo, ele fala mais diretamente da renovação eclesial como finalidade do Concílio: "restituir, no semblante da Igreja de Cristo, o esplendor dos traços mais simples e mais puros de suas origens" (13/11/1960). Essa finalidade renovadora foi acolhida pelo Concílio, que, no início do primeiro documento aprovado, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium, assim a expressa: "o sagrado Concílio se propõe fomentar a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições suscetíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja" (SC, 1).
4. O "clima" de diálogo e participação que o Concílio estimulou em toda a Igreja tem, também ele, raízes em atitudes e decisões de João XXIII. No início da preparação do Concílio, o Papa quis que se fizesse uma ampla consulta a todos os Bispos, às Universidades Católicas, à Cúria Romana e às Ordens e Congregações Religiosas a respeito dos temas que deveriam ser tratados. Não quis, porém, uma consulta com temas fixados de antemão, como sugeria a minuta da carta que lhe foi apresentada. Ele quis essa consulta aberta, para que cada Bispo e cada organismo consultado propusesse livremente suas sugestões. Isso deixou uma marca indelével no desenvolvimento do Concílio: fixou definitivamente a convicção de que ele é obra da Igreja, assistida por Deus e fiel à sua missão, em diálogo com os desafios concretos da realidade presente. Este estilo de atuação em que predomina o diálogo marcou profundamente a consciência da Igreja.
5. A finalidade pastoral do Concílio Vaticano II pode ser compreendida a partir do grande discurso de abertura, o já mencionado Gaudet Mater Ecclesia, do qual tomamos dois pontos centrais. Depois de ter recordado que a finalidade principal de um Concílio é que "o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz" (GME, V, 1), o Papa faz uma distinção que se tornou clássica: "é necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. Uma coisa é a substância do "depositum fidei", isto é, das verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas [...]. Será preciso atribuir muita importância a esta forma e, se necessário, insistir com paciência, na sua elaboração; e dever-se-á usar a maneira de apresentar as coisas que mais corresponda ao Magistério, cujo caráter é prevalentemente pastoral" (GME, VI, 5).
E, recordamos, ainda, outra precisação muito importante, que o Papa em seguida acrescenta: "a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade [...] Ela deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade" (GME, VII, 2.3).
A pastoralidade do Magistério, o estilo dialogal, as atitudes de bondade e misericórdia: tais são as características queridas pelo Papa para a renovação da Igreja, como fruto do Concílio.
6. Portanto, com as comemorações do cinquentenário do Concílio, juntamente com o renovado conhecimento de seus documentos, queremos reviver e repropor o "espírito" do Concílio, que está sempre estreitamente ligado ao corpo documental que ele nos legou. Reviver o Concílio é progredir com determinação na aplicação de suas decisões, na assimilação do estilo adotado pelo Concílio.
Colocamo-nos, pois, em profunda sintonia com o Papa Bento XVI, que convida toda a Igreja a entrar nesse cinquentenário renovando e aprofundando sua fé, comprometendo-se decididamente na nova evangelização e na transmissão da fé, por meio do Ano da Fé, que proclamou com a carta apostólica Porta fidei.
Queremos, portanto, continuar a acolher o Concílio como dom e como graça de Deus para a Igreja em nossos dias, como luz para nosso empenho evangelizador e força para nossa atuação no mundo atual.
7. O cartaz do cinquentenário do Concílio é composto de três imagens agrupadas: dos Papas do Concílio - João XXIII e Paulo VI - e da Assembleia Conciliar, reunida na Basílica de São Pedro. Os dizeres convidam a olhar para o Concílio incluindo a história de sua aplicação ao longo das cinco décadas já transcorridas: "Concílio Vaticano II: 50 anos depois". Como não se trata de uma simples recordação do passado, mas de um compromisso presente, os dizeres do cartaz procuram também envolver, por meio do convite: "Ouçamos o que o Espírito diz à Igreja" (cf. Ap 2, 7). A citação livre do Apocalipse que recorda a dimensão pneumatológica do Concílio e seu apelo atual. O folder tem indicações gerais referentes ao Concílio, as sugestões de nosso Grupo de Trabalho para o período das comemorações, e uma oração para este rico período, que a bondade de Deus nos concede vivenciar.
Além disso, o GT preparou uma exposição de material fotográfico, documental e de estudos sobre o Concílio. Depois da AG, parte da exposição será transferida para um recinto preparado no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, onde estará aberta aos Romeiros. Para os próximos anos, pretendemos ampliar essa exposição, abrangendo gradativamente imagens e material das outras Sessões do Concílio, ano a ano, acompanhando assim o desenrolar do Concílio.
Como já devem ter notado, também foi preparada exposição referente ao Concílio. Trata-se das projeções, feitas no Plenário da Assembleia, entre as Sessões e nos intervalos, para ajudar-nos a nos envolvermos profundamente no "clima" do Concílio. Na medida do possível, queremos reviver o ambiente conciliar, que a maioria de nós acompanhou com emoção e grandes expectativas, nos anos de nossa juventude.
Fonte: L'OSSERVATORE ROMANO
Publicamos o texto da mensagem dos membros do episcopado brasileiro, assinada pelo cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo e presidente do grupo de trabalho realizado por ocasião das comemorações do cinquentenário do Concílio Vaticano II.